3 de jul. de 2010

Os desafios da transição ao baixo carbono pós-Copenhague

O fiasco da Conferência de Copenhague não imporá sério atraso à descarbonização das grandes economias. Isso ocorreria se o único determinante do proceso fosse percepção coletiva do risco de ruptura climática, que exige atitude altruística em favor das gerações futuras. Mas há dois outros vetores que têm se mostrado muito mais decisivos: a preocupação com a segurança energética e o vislumbre dos negócios que estarão no centro da próxima onda longa de expansão capitalista.

Três evidências são: o plano de transição ao baixo carbono do Reino Unido; a taxa sobre emissões adotada pela França; e a reforma da política energética dos EUA, ainda no Senado.
A mais significativa é a do Reino Unido, primeira nação a legislar sobre a meta de cortar 80% das emissões até 2050 e a lançar a ideia de adotar orçamentos quinquenais de carbono até 2022.

O plano visa justamente a estabelecer o primeiro desses orçamentos com o objetivo de chegar em 2020 com emissões 18% inferiores às de 2008. O que significará um corte superior a um terço, se a referência for 1990, pois já houve uma queda de 21%, praticamente o dobro da meta assumida no Protocolo de Kyoto. Para que essa ambição fique mais clara, é bom notar a mudança de velocidade pretendida. Nos 18 anos iniciais (1990-2008), a taxa média de redução foi de 1% ao ano. Agora se pretende que nos 11 anos seguintes (2009-2020) essa taxa anual de queda passe a 1,4%.

A França também assumiu objetivo bem ambicioso para 2050: cortar três quartos de suas emissões. Mas a decisão foi bem diferente: criação de uma taxa carbono que incidirá sobre o consumo de combustíveis fósseis, começando com 17 euros por tonelada de emissão para 2010. E com novidade importantíssima: a arrecadação será inteiramente devolvida à população por deduções do imposto de renda, ou por envio de um “cheque verde”; aos isentos. Em dezembro de 2009 essa lei foi declarada inconstitucional, mas está sendo reformulada para vigorar a partir de meados de 2010.

São iniciativas desse tipo, em grandes democracias avançadas, que servem de ponto de partida para a reflexão proposta no livro Mundo em Transe: Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento (Editora Autores Associados, 2009). Não dependem do que vier ocorrer na próxima conferência, no México, em dezembro de 2010.

Além disso, há ao menos três razões para que lá não se repita o fiasco de Copenhague: a) em breve serão conhecidas as potencialidades e limitações da reforma energética que terá sido aprovada pelo Congresso dos EUA; b) isso permitirá que o Governo Obama se empenhe em formular com a Europa e com o Japão uma oferta conjunta que leve as maiores nações emergentes a desacelerar a disparada de suas emissões; c) a partir dessa base mínima ficará mais simples neutralizar resistências que provavelmente ainda persistirão.

Todavia, por melhores que possam vir a ser os resultados da conferência do México, eles deixarão os ambientalistas tão ou mais frustrados do que ficaram com os de Copenhague. É que a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto não constituem um regime global voltado para o efetivo controle das mudanças engendradas pelas emissões de gases de efeito estufa. Se tal regime existisse, além de ser estritamente orientado pelas evidências científicas fornecidas pelo painel criado pela ONU para esse fim – o IPCC – ele também teria que estar enquadrado institucionalmente por seu programa ambiental: o Pnuma.

Em vez disso, a arena de negociações da questão climática foi a Assembleia Geral da ONU, e a Convenção que saiu da Conferência do Rio (1992) inseriu o aquecimento global no contexto muito mais amplo e complexo daquilo que começava a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”. Ou seja, longe do âmbito predominantemente ambiental, como pouco antes havia sido abordada a questão da camada de ozônio. Orientação que foi perversamente aprofundada quando o Protocolo de Kyoto glorificou a dicotomia entre países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, em vez de preferir a tripla classificação do PNUD, com países de alto, médio e baixo desenvolvimento.

Por isso, nada poderia ser mais ilusório do que supor que em dezembro de 2010 poderia surgir no México algum acordo pautado por altruística consciência ambiental baseada em evidências científicas relatadas pelo IPCC. Se houver acordo, ele será essencialmente determinado pelas possibilidades deconciliação dos interesses econômicos nacionais das grandes potências tradicionais e emergentes. Interesses que resultam de diversas combinações entre suas perspectivas de segurança energética e de novos negócios baseados em soluções de baixo carbono. Isto é, inovações que poderão reduzir as nocivas incertezas causadas pelo uso de energias fósseis e – paulatinamente – substituí-las por energias renováveis.

Tudo seria mais simples, portanto, se já fossem conhecidas as tecnologias que poderão promover a transição ao baixo carbono. Mas, por enquanto, esse é um túnel que continua bem escuro. O que parece certo é que as energias renováveis terão significativas reduções de custo, mas não o suficiente para que alguma se torne competitiva antes de 2020. O que leva a crer que as duas principais tendências da segunda década do século sejam: o segundo renascimento da energia nuclear e a CCS (sigla em inglês para captura e armazenamento do carbono emitido na extração e nos usos de energias fósseis).

É claro que os governos têm quatro bons motivos para subsidiar a geração e utilização das fontes renováveis de mais futuro: biomassas eólicas, geotérmicas, marinhas e solares. Antes de tudo a constatação de que elas dependerão desse tipo de apoio enquanto impostos ou mercados bem regulados de permissões (cap-and-trade) não tornarem as emissões de carbono suficientemente gravosas. O segundo é o argumento mais tradicional, que concerne todas as inovações ainda imaturas com potencial de se tornarem competitivas com aumento de escala. O terceiro está na necessidade de diversificação das fontes primárias por motivos de segurança energética.
Finalmente, em razão da própria natureza finita da oferta barata de energias fósseis, estimadas hoje em 40 anos para o petróleo, 60 para o gás e 130 para o carvão.

O problema é que esses quatro argumentos não terão muito peso no prazo da próxima década. Por isso, as principais incógnitas que precederão a conferência do México estarão em grande parte vinculadas às possibilidades de acesso da China e da Índia às inovações tecnológicas nos âmbitos da energia nuclear e dos esquemas de CCS, principalmente para o uso de carvão. O que será bem mais complicado do que garantir a outros grandes emissores – como Brasil e Indonésia – algum tipo de ajuda para que minimizem seus desmatamentos e queimadas até 2020.

Por mais diferenças que existam entre China e Índia, há idêntica recusa de arcar com os altíssimos custos dessas iniciativas. Se os países mais desenvolvidos não encontrarem maneiras de viabilizar os investimentos exigidos pelo nuclear e pelo CCS nesses dois países, eles terão argumentos de sobra para preferirem o risco de conflitos provocados pela provável proliferação de novas barreiras comerciais. Será possível demonstrar à OMC que boa parte das reduções das emissões de carbono dos países mais ricos foi obtida via consumo de produtos importados de países emergentes. A China é o país que mais tem enfatizado a necessidade de um balanço das emissões embutidas no comércio internacional, pois 70% das suas podem ser atribuídas a exportações, principalmente para os EUA e para o Japão.

Na próxima década o Brasil poderá escapar desse tipo de retaliação se cumprir o anunciado compromisso de minimizar os desmatamentos e queimadas, que em 2005 ainda respondiam por 57,5% de suas emissões de gases de efeito estufa. Com mais razão se simultaneamente também obtiver reduções significativas das emissões de metano, quase todas provenientes de sua ultraextensiva pecuária bovina.

O grande problema surgirá em seguida, quando se tornarem irrisórias essas emissões de natureza pré-industrial, e a intensidade-carbono refletir o crescente uso de petróleo, gás e carvão. Se até lá o Brasil não tiver superado o absurdo desprezo pelas pesquisas em energia solar, com certeza estará condenado à dependência das chamadas “transferências” de inovações que certamente já terão surgido na Alemanha, EUA, França, Japão ou Reino Unido. Apenas para mencionar os cinco favoritos da corrida tecnológica em curso pelas soluções energéticas que abolirão a era fóssil.

José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo.

4 comentários:

antonio singer disse...

É lamentavel que aqui no Brasil as atenções são voltadas para o pré-sal(fóssil) em detrimento de pesquisa e inovação energética solar. com certeza vai ficar dependendo da transferencia de inovações de tecnologia ambiental do Primeiro Mundo.

peter disse...

porque não se pensa em criação de incentivos , por lei, para a geração de energia descentralizada, a partir de fontes renováveis.

Anônimo disse...

O que os capixabas pensam sobre Mudanças Climáticas?

De modo a conhecer o perfil de percepção ambiental da sociedade frente à problemática (causas, efeitos, prós e contras) das Mudanças Climáticas, tendo como base a Região da Grande Vitória, ES - municípios de Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica - o Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental / NEPA (grupo sem fins lucrativos), desenvolveu uma pesquisa (35 aspectos abordados) com 960 pessoas (+ - 3% de erro e 95% de intervalo de confiança), com o apoio da Brasitália Mineração Espírito Santense.

Metade dos entrevistados foi de pessoas com formação católica e, os demais, evangélica. Apesar de a amostra ter sido constituída dessa forma o objetivo da pesquisa não visa individualizar os resultados para cada segmento religioso em questão. Em um segundo estágio da análise dos dados (banco de dados do SPSS) isso ocorrerá, quando serão explicitadas diferenças de percepção ambiental dos dois grupos – católicos e evangélicos – mas sem nominar a origem de formação religiosa dos membros da amostra.

Os entrevistados admitem ler regularmente jornais e revistas (48,1%), assistem TV (58,3%), não participam de Audiências Públicas convocadas pelos órgãos normativos de controle ambiental (88,9%), bem como de atividades ligadas ao Meio Ambiente junto às comunidades (não – 43,2% / não, mas gostaria – 39,7%), apresentam um reduzido conhecimento das ONGs ambientalistas (4,9%), não acessam (72,8%) sites ligados à temática ambiental (19,1% não tem acesso a computador), além de indicarem o baixo desempenho das lideranças comunitárias no trato das questões ambientais (29,2% / sendo que 40,0% admitem não conhecer as lideranças de suas comunidades), e admitem interesse por temas ligados à temática ambiental (42,3% / 44,2% apenas às vezes).

Admitem conhecer termos (não verificada a profundidade do conhecimento assumido) como biodiversidade (63,6%), Metano (51,7%), Efeito Estufa (81,3%), Mudanças Climáticas (84,7%), Crédito de Carbono (26,0%), Chuva Ácida (57,8%), Agenda 21 (16,5%), Gás Carbônico (60,9%), Clorofuorcarbonos (36,6%), Aquecimento Global (85,4%), bicombustíveis (74,1%), Camada de Ozônio (74,3%) e Desenvolvimento Sustentável (69,5%), com 70,0% do grupo relacionando às atividades humanas às Mudanças Climáticas e que a mídia divulga muito pouco os temas relacionados ao meio ambiente (44,2%), apesar da importância do tema.

A ação do Poder Público em relação ao meio ambiente é considerada fraca (48,2%) ou muito fraca (30,2%), os assuntos ligados à temática ambiental são pouco discutidos no âmbito das famílias (60,1% / 15,5% admitem nunca serem discutidos), enquanto a adoção da prática da Coleta Seletiva só será adotada pela sociedade se for através de uma obrigação legal (34,3%) e que espontaneamente apenas 35,7% adotariam o sistema. Indicam que os mais consumos de água são o “abastecimento público” (30,3%), seguido das “indústrias” (22,9%) e só depois a “agricultura” (10,7%), percepção inversa a realidade.

Em análises em andamento, os resultados da pesquisa serão correlacionados com variáveis como “idade”, “gênero”, “nível de instrução”, “nível salarial”, “município de origem”, entre outras, contexto que irá enriquecer muito a consolidação final dos resultados, aspectos de grande importância para os gestores públicos e privados que poderão, tendo como base uma pesquisa pioneira no ES, definir ações preventivas e corretivas voltadas ao processo de aprimoramento da conscientização ambiental da sociedade.

É importante explicitar que, com o apoio do NEPA, está pesquisa já está sendo iniciada em outras capitais. O gru ....................... participação consciente da sociedade nas discussões que envolvem este importante tema.




Roosevelt S. Fernandes, M. Sc.
roosevelt@ebrnet.com.br

Unknown disse...

Marketing para Unidades de Conservação da Natureza
Primeiras Linhas
Autor: Julis Orácio Felipe
Sinopse:
AS unidades de conservação da natureza são importantes espaços protegidos com a finalidade de resguardar atributos ambientais da exploração indiscriminada e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, para mantê-las é preciso a criação de mecanismos que as desmistifiquem para a sociedade em geral, que as entende como locais onde nada pode ser feito. Na realidade, se bem direcionadas, podem contribuir não somente para o desenvolvimento sustentável como também para o desenvolvimento social e econômico, principalmente da comunidade de entorno. Essa obra demonstra como pode ser feito sem corromper o sistema jurídico criado para as unidades de conservação, dando aos leitores noções sobre marketing voltado para essas instituições.

www.clubedosautores.com.br